Perda de biodiversidade “é tão grave como as alterações climáticas”

Serão necessários passos de gigante e transformações radicais na produção global de alimentos e nas atividades humanas em geral, que estão a pulverizar os recursos, os ecossistemas e as espécies, se se quiser inverter tais tendências destrutivas – e o tempo é curto.
Este é o aviso que cerca de 400 cientistas fazem no mais completo e atualizado relatório dos últimos 15 anos sobre a biodiversidade, e cuja versão final será conhecida em Paris, esta segunda-feira, 6 de maio.
O relatório, que foi elaborado nos últimos três anos, esteve esta semana em discussão na capital francesa, no âmbito de uma reunião das Nações Unidas, com delegados de mais de 130 países. Numa versão ainda não definitiva, a que AFP teve acesso, podem ler-se esses alertas, que não deixam dúvidas sobre os problemas ambientais sem precedentes que a humanidade enfrenta.
Alguns números referidos nessa primeira versão do relatório ajudam a pôr o problema em perspetiva e dão a medida da urgência de ações concertadas e eficazes, a ser tomadas pelos decisores políticos a nível mundial.
A nossa destruição da biodiversidade e dos ecossistemas atingiu níveis que ameaçam o bem-estar da humanidade
Os números: cerca de um milhão de todas as espécies do planeta enfrentam a extinção, muitas delas dentro de poucas décadas; à exceção de uma parte muito pequena (7%), todos os grandes stocks de pesca do mundo estão em declínio, devido à sua sobre-exploração, e se falarmos de florestas, três milhões de hectares (2,9 milhões) perderam-se desde 1990 – nas três últimas décadas -, numa área correspondente à dimensão da Alemanha ou do Vietname.
O relatório, que foi preparado pela Plataforma Intergovernamental Científica e Política para a Biodiversidade e os Ecossistemas (IPBES, na sigla inglesa) – o equivalente ao IPPC para as alterações climáticas, igualmente no âmbito das Nações Unidas -, não define recomendações políticas (pelo menos nesta primeira versão). Mas a versão final do documento vai ser a referência para a próxima COP da Convenção das Nações Unidas sobre a Biodiversidade, que se realiza na China, no próximo ano.
Essa cimeira, em 2020, será o momentos-chave da definição das políticas internacionais nesta área, para a próxima década.
Próxima década é decisiva
Na abertura da reunião que está a decorrer em Paris, Robert Watson, o presidente da IPBES, não poupou palavras sobre o atual estado de calamidade ambiental. “As provas são incontestáveis: a nossa destruição da biodiversidade e dos ecossistemas atingiu níveis que ameaçam o bem-estar da humanidade, pelo menos tanto quanto as alterações climáticas induzidas pelo homem”.
Alertando para o que está em causa, Robert Watson, sublinhou que a biodiversidade “não é algo abstrato”. Ela “diz respeito a todas as espécies animais ou vegetais que vivem no planeta, incluindo aquela que se coloca a si mesma em perigo, ao destruir a natureza: a humanidade. E o homem não pode viver sem essa natureza, que lhe presta serviços de valor incalculável, desde insetos polinizadores a florestas e oceanos que absorvem CO2, até medicamentos ou água potável”.
A presente situação é, aliás, o espelho do falhanço das metas estabelecidas para esta década no âmbito da própria convenção. Praticamente nenhum dos 20 objetivos previamente definidos para 2020, que visam uma vida “em harmonia com a natureza” até 2050, será alcançado. Isso está referido na primeira versão do relatório, cuja versão final está a ser aguardada com grande expectativa.
Muitos veem o documento como a possibilidade de um ponto de viragem nas políticas ambientais globais. Foi isso mesmo que disse, preto no branco, o próprio presidente da IPBES, na abertura da reunião de Paris. Assim: “Muitos esperam que esta avaliação seja o prelúdio para a adoção de metas ambiciosas na reunião de 2020, na China, dos Estados-membros da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica”.
A coincidência de a reunião ter lugar na mesma capital europeia que em 2015 foi palco do Acordo de Paris, para as alterações climáticas, é vista como um bom prenúncio de avanços idênticos na biodiversidade. Resta saber até que ponto os alertas vão ser ouvidos.